30 años de democracia en Brasil: José Sarney, primer presidente constitucional, evalúa su papel en la transición

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Democracia, 30 anos: Sarney se diz injustiçado sobre papel na transição

Aos 85 anos, três décadas depois de assumir como o primeiro presidente civil após a ditadura militar, em 15 de março de 1985, José Sarney acredita que seu papel na transição democrática foi alvo de injustiças.

Criticado por alguns por sua proximidade com grupos que deram suporte à ditadura, o político maranhense vê sua abertura ao diálogo e capacidade de conciliação como atributos importantes para a concretização do processo de redemocratização do país.

«Acho que contribuí grandemente para o êxito (da redemocratização), com meu temperamento, com minha paciência, tolerando todas as injustiças de que fui alvo», disse em entrevista exclusiva à BBC Brasil sobre os 30 anos da democracia brasileira.

Apesar de ter se oposto ao golpe militar que depôs o presidente João Goulart em 1964, Sarney logo em seguida aderiu ao partido de sustentação da ditadura, a Arena, pelo qual foi eleito em 1965 governador do Maranhão.

Ele chegou inclusive a se tornar presidente do partido no final dos anos 1970, mas diz que não era assim tão aceito pelos militares, porque defendia políticas sociais como a reforma agrária.

«Os militares nunca me trataram como se eu fosse uma pessoa muito ligada a eles. Pelo contrário, muitos deles me chamavam de uma coisa inacreditável: comunista».

Os militares nunca me trataram como se eu fosse uma pessoa muito ligada a eles. Pelo contrário, muitos deles me chamavam de uma coisa inacreditável: comunista.»

Sarney foi eleito pelo Congresso em janeiro de 1985 como vice-presidente na chapa de Tancredo Neves, político do PMDB, partido de oposição à ditadura. Pouco antes das eleições indiretas, ele deixou o PDS (partido que substituiu a Arena) por divergências com o presidente militar João Figueiredo no processo de abertura democrática.

«Tancredo acreditava que eu saberia o mapa da mina, porque, sendo (ex-)presidente do PDS eu conhecia os delegados e teria condições de ajudar muito nos resultados (da eleição presidencial indireta)», contou.

A estratégia funcionou, mas Tancredo não pôde assumir porque foi hospitalizado no dia anterior à posse e faleceu dias depois, em 21 de abril.

Foram momentos de muita incerteza, segundo Sarney, devido ao temor de uma reação da ditadura contra sua posse. Ex-integrante do regime, ele contornou o problema buscando o apoio dos militares e afastando a hipótese de «revanchismo».

«Eu disse (a eles) que íamos fazer a transição com os militares e não contra os militares. Isso nos deu uma certa tranquilidade para que pudéssemos ter respaldo para fazer a transição democrática com apoio deles».

No período que presidiu o país, Sarney convocou a Assembleia Constituinte que elaborou a Constituição Federal de 1988 – documento que determinou a ampliação de uma série de políticas sociais. Mas deixou a Presidência em 1990 com baixa popularidade em meio a denúncias e ao caos econômico causado pela hiperinflação.

Depois disso, se elegeu três vezes senador pelo Amapá e apoiou tantos os governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), quanto os de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e de Dilma Rousseff (2011 em diante). Após 60 anos de vida pública, sofreu uma grande derrota em 2014 com a eleição do desafeto político Flávio Dino para o governo do Maranhão.

Sobre o que vem adiante, afirma melancólico: «É difícil, com 85 anos de idade, a gente dizer… Eu tenho passado, eu não tenho mais futuro».

Confira abaixo os principais trechos da entrevista concedida por Sarney à BBC Brasil em sua residência, em Brasília.

BBC Brasil – O senhor assumiu a Presidência em um momento de muita instabilidade, tanto pela transição de regime da ditadura para a democracia como por causa da perda de Tancredo Neves. Como foram os momentos imediatamente anteriores à sua posse?

José Sarney – Para todos nós no Brasil foi de uma perplexidade absoluta. Jamais esperávamos que tivéssemos a realidade imitando a ficção naquela noite em que Tancredo era hospitalizado. Era uma frustração para o povo brasileiro que há tanto tempo esperava a posse de um presidente civil. Eu pelo menos não sabia (de sua doença). Fui saber no dia 14, às 5h da tarde. Nós chegávamos a um momento difícil em que nós concluíamos a transição democrática. Não sabíamos o que podia ocorrer a partir daquele instante.

BBC Brasil – Qual foi o grande desafio que o senhor enfrentou naquele momento?

Sarney – Primeiro, o da posse mesmo. O (presidente, general João) Figueiredo, como todos sabem, recusava-se a que eu assumisse. Não me passou a faixa presidencial. E, ao mesmo tempo, o ministro do Exército dele (general Walter Pires) dizia que ia levantar os quartéis para que pudesse haver uma reação militar contra (minha posse). Aquilo tudo se desenrolou na noite em que nós tínhamos os problemas da transição, os problemas da doença do Tancredo, e a costura constitucional – como fazer (para garantir a redemocratização) naquele instante.

Mas o Brasil tem sempre tido condições de atravessar momentos de extrema dificuldade. Nós encontramos sempre, os políticos, uma solução não traumática, essa é um característica brasileira. Foi assim desde a independência, nós transformamos um príncipe português em imperador do Brasil e construímos um grande país.

BBC Brasil – Tancredo Neves nem chegou a assumir a Presidência. Havia uma incerteza legal sobre se o senhor podia ou não assumir?

Sarney – Eu me recusei a assumir porque na realidade era uma frustração para o povo brasileiro e queria assumir junto com Tancredo. Consultei os médicos e eles me disseram que dentro de cinco dias ele estaria pronto para assumir o governo.

Mas Ulysses Guimarães também me disse que a Constituição assegurava que o vice devia assumir, e que eu não podia criar nenhum embaraço (para a redemocratização). Não podíamos morrer, como se diz popularmente, na praia.

BBC Brasil – No seu último discurso de despedida do Senado, ao se referir ao seu papel no processo de redemocratização, o senhor afirmou: «Só Deus é testemunha do que isso me custou e das cicatrizes que até hoje sangram». Que cicatrizes são essas?

Sarney – Olha, as cicatrizes… Eu acho que, como um vice-presidente da República de um partido que não era o partido vencedor, eu não tinha uma ligação com o establishment nacional, com a grande imprensa, eu não tinha participado do programa de governo, eu não tinha escolhido nenhuma das pessoa do ministério. De maneira que eu, de certo modo, quando tive que assumir o governo, eu pensava nas responsabilidade que recaíam nas minhas costas.

Eu tinha uma certa experiência política e sabia que (seria um desafio) governar um país naquele instante de tantas esperanças e tantos problemas juntos. E ao mesmo tempo me preocupava o problema militar porque nós não tínhamos vencido os militares pelas armas, e sim num processo de engenharia política que levou o Brasil à transição democrática.

Disse que não íamos ter revanchismo, que íamos fazer a transição com os militares e não contra os militares. Isso nos deu uma certa tranquilidade.»

Eu me reuni com os ministros militares e disse que não íamos ter revanchismo, que íamos fazer a transição com os militares e não contra os militares. Isso nos deu uma certa tranquilidade para que pudéssemos ter respaldo para fazermos a transição democrática com apoio deles. Não é fácil, mas eu acho que contribuí para o país, com meu jeito de dialogar, de saber que eu não sou o dono da verdade. A partir daquele instante, nós temos trinta anos que os militares se profissionalizaram, voltaram para os quartéis, deixaram de ter ingerência política.

BBC Brasil – Durante o regime militar o senhor fazia parte da Arena, que era o partido de sustentação do regime. Depois o senhor liderou o processo de redemocratização. Como foi esse processo de transição pessoal?

Sarney – Durante todo o regime militar constituímos dentro do Congresso um grupo que sempre defendia que devíamos fazer tudo para manter o Congresso aberto, porque enquanto estivesse aberto, teríamos uma instituição que era utilizada na democracia. Faziam parte desse grupo eu, Teotônio Vilela, Petrônio Portela, Daniel Krieger e muitos outros. Fizemos todo esforço possível para manter a chama da abertura democrática.

Quando ocorre a escolha do senhor Paulo Maluf para candidato à Presidência da República nós verificamos que todo nosso esforço estava sendo de certo modo perdido, não achávamos que fosse o nome adequado para aquele instante. [Com apoio do presidente, o general João Figueiredo, Maluf foi escolhido como candidato do PDS, partido que substituiu a Arena. Sarney, presidente do PDS, defendia que fossem realizadas prévias dentro do partido para escolha do candidato civil] Então, (Maluf) seria uma certa continuidade (do regime militar).

Acho que contribui grandemente para o êxito (da redemocratização) e também durante o governo, com meu temperamento, com minha paciência, tolerando todas as injustiças de que fui alvo.»

Diante disso, eu renunciei à Presidência do partido. A minha convicção era de que naquele momento tinha encerrado a minha carreira política e me preparei para o pior. Então, o Tancredo e o Ulysses (Guimarães) me procuraram e tentaram me cooptar para que eu entrasse na luta e fizéssemos a transição democrática. Tancredo acreditava que eu saberia o mapa da mina, porque, sendo presidente do PDS eu conhecia os delegados e teria condições de ajudar muito nos resultados (da eleição indireta).

Acho que contribuí grandemente para o êxito (da redemocratização) e também durante o governo, com meu temperamento, com minha paciência, tolerando todas as injustiças de que fui alvo. Todos os candidatos (em 1989) à Presidente da República eram contra mim. Eu pagava por ter feito a abertura política. Essas eram as cicatrizes que eu falava, das minhas amarguras, das minhas feridas, que guardava.

BBC Brasil – O senhor esteve no governo na maioria dos 60 anos da sua vida pública. Muito críticos associam o sobrenome Sarney à perpetuação do poder, à oligarquia. Como o senhor recebe essa crítica?

Sarney – Eu confio muito na história. Eu sei que o erro que eu cometi foi justamente ter entrado na luta política. Porque na realidade a transição democrática brasileira, esses trinta anos que nós estamos vivendo de democracia, nasceram ali. Eu fui o presidente que foi escolhido com todas essas dificuldades e, entretanto, consegui realizar a transição democrática, entregar para um adversário meu o governo.

E quem é político de Estado pobre, do Norte/Nordeste do Brasil, sempre tem uma grande restrição. Fui muito vítima desse preconceito. Os jornais me tratavam como provinciano, caipira, quando na realidade eu tinha uma longa experiência política.

Ao mesmo tempo, eu nunca estive sempre no governo, eu fui contra o Getúlio Vargas, eu fui contra o Juscelino Kubitschek. Os militares nunca me trataram como se eu fosse uma pessoa muito ligada a eles. Pelo contrário, muitos deles me chamavam de uma coisa inacreditável: comunista.

E eu não fui aderir ao presidente Lula. O presidente Lula veio aqui nessa mesma sala em que estamos pedir o meu apoio. E eu fiquei muito feliz de pode participar disso, porque eu, que era tido como um grande conservador no Brasil, participava da mudança republicana, na qual, em cem anos, nós saímos dos barões do café a um operário na Presidência da República.

BBC Brasil – Por que os militares chamavam o senhor de comunista?

Sarney – Porque durante todo o tempo eu tive uma posição muito voltada para as ideias das reformas, eu sempre fui a favor da reforma agrária, eu sempre fui a favor de mudanças na parte econômica. Tive oportunidade de realizar o seguro-desemprego (implementado no país em 1986), e muitos outros avanços sociais que nasceram naquele (momento). Tanto que o slogan meu era «tudo pelo social». E no documento que eu convoquei a Constituição (a Assembleia Constituinte), eu dizia lá que convocava para criarmos no Brasil os direitos sociais, que não existiam. Nunca ninguém tinha falado isso a nível constitucional.

BBC Brasil – Para concluir, qual a contribuição que o senhor ainda pode dar para a democracia brasileira?

Sarney – Olha, minha filha, é difícil, com 85 anos de idade, a gente dizer… Eu tenho passado, eu não tenho mais futuro. Até porque Deus limitou a vida de todos nós e fez muito bem. Por isso eu falei de Deus e ao mesmo tempo das cicatrizes (no discurso de despedida do Senado). Faz parte da vida.

BBC Brasil

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