A direita e o sucesso da colonização cultural – Por Aram Aharonian

924

Por Aram Aharonian

O escritor mexicano Octavio Paz denunciava que: “a direita não tem ideias, somente interesses”, e que esses muitas vezes nem são os seus próprios. Para ser de direita hoje, não é preciso sequer pensar muito, basta seguir a cartilha da guerra psicológica e neurológica (de quarta e quinta geração) através dos meios massivos de comunicação, e das chamadas redes digitais: assumir como certas (como em qualquer credo) as mentiras e a informação que irradiam das usinas do pensamento capitalista, e se deixar levar pela onda.

O ressurgimento da direita tem a ver com uma derrota política dos governos progressistas dos últimos quinze anos na região, e com sua omissão em realizar as mudanças estruturais em seus países, mas também, e principalmente, com uma derrota cultural. Já não se fala mais – ao menos entre os que estão hoje no poder – de igualdade, justiça social e sociedades de direitos, nem de bem estar, de democratização da comunicação ou de democracia participativa.

A guerra cultural do capitalismo atual pretende compensar a desaparição de sua grande promessa abstrata de progresso, desenvolvimento e bom governo, e ocultar a perda dos parâmetros de competição, iniciativa e liberdades econômicas, além do desmoronamento dos pilares que mantém a segurança dos setores médios. Se trata de um discurso que força a aceitar o despojo da maioria das conquistas sociais e políticas alcançadas, para desmontar todas as resistências e protestos através do controle social. E quando esse não funciona por bem, se aplica o controle militar.

Esta guerra cultural propõe que todos, em todo o mundo, aceitem a ordem imposta pelo capitalismo como a única forma em que é possível viver a vida cotidiana, a vida cidadã e as relações internacionais. E para isso, é preciso apagar a memória do povo. Não é uma prática nova: no antigo Egito, no Livro dos Mortos (3200-2500 a.c.), há uma passagem onde se fala de uma “viagem ao além” e do juízo diante de Osíris depois da morte, e onde a morte é descrita como um novo renascer. Nesse texto, encontramos algumas passagens onde o defunto se resiste ter seu corpo separado radicalmente de sua alma, e enfrenta o espírito maléfico que cortava as cabeças e rasgando as testas dos mortos, para extrair suas memórias.

O segredo do sucesso da penetração cultural estadunidense é sua capacidade de criar e modelar fantasias para escapar da miséria, através da fusão entre comercialidade-sexualidade-conservadorismo, apresentados cada um como expressões idealizadas de falsas necessidades privadas, de uma autorrealização individual. O imperialismo cultural desempenha um papel fundamental ao prevenir e impedir que indivíduos explorados e alienados respondessem coletivamente às suas condições cada vez mais deterioradas.

A maior vitória do imperialismo não é só a obtenção de benefícios materiais, e sim sua conquista do espaço interior da consciência, primeiro através dos meios de comunicação de massas, e depois usando as chamadas redes digitais.

O conservadorismo cultural argumenta que os valores tradicionais estão se perdendo diante do que se denomina “ideologia de gênero”, uma etiqueta vaga onde cabe tudo aquilo que eles odeiam: o movimento feminista, os direitos reprodutivos da mulher, o matrimônio igualitário. E com um tom entre o conspirativo e o apocalíptico, se atribui à “ideologia de gênero” a formação de uma aliança internacional que inclui as Nações Unidas, fundações filantrópicas estadunidenses e europeias e organizações que operam a nível nacional, com o objetivo de filtrar práticas estrangeiras.

Se acrescenta a este contexto fatores como o desemprego de pessoal qualificado, não qualificado e especializado, além do surgimento da geração que não tem educação, nem trabalho, nem futuro, enquanto a destruição ou a fragilização das antigas organizações populares, e a criminalização das que genuinamente representam os cidadãos, empregados, trabalhadores e camponeses, além da mutilação política, moral, social, cultural, econômica dos partidos políticos, que passaram de instituições de lutas programáticas e ideológicas a meros instrumentos para obter empregos da eleição popular.

A desestruturação intelectual, política e moral é o maior estrago causado pela guerra financeira do neoliberalismo globalizado, que faz com que os protestos e resistências da população, impulsados por uma ideologia político-social e orientados por um programa de ação pública nacional e internacional, se fragmentem em lutas setoriais e conjunturais.

Tampouco existe um movimento ou uma articulação internacional, uma vanguarda, uma solidariedade internacional. A exaltação do indivíduo, a fragmentação das famílias e das sociedades, a conversão dos trabalhadores em consumidores e o crescimento da religião do deus dinheiro e seus cartões de crédito, tudo isso transforma indivíduos, empresas e Estados em escravos da dívida, e são alguns dos efeitos do capitalismo cultural e financeiro.

As elites econômicas, empenhadas em acabar com a política externa independente dos nossos países e com os processos de integração, ávidas por destruir a memória histórica dos povos, têm como finalidade privatizar (entregar às empresas multinacionais) os recursos naturais, as empresas estatais e os bancos públicos financeiramente rentáveis, além de vender as terras aos estrangeiros e empresas multinacionais, comprometendo a produção nacional de alimentos, a soberania alimentar e o controle sobre as águas.

Hoje, há uma ideia – autoritária, disciplinante, invariavelmente defensora do empresariado – da “ordem” que define a perspectiva da direita. Além dos “princípios” conservadores oriundos da religião, tradição e hierarquia, também existe um esforço para defender o livre mercado, para defenestrar os modelos de integração regional, promover o controle social, a destruição do estado de bem-estar com o uso permanente das falsas mensagens através dos meios massivos, com frases cheias de ódio e agressividade, pregando o alarmismo contra o terrorismo ou o comunismo, contra tudo aquilo que signifique pensar, e com uma clara semente xenofóbicos, homofóbica e misógina.

Nas últimas sete décadas, nunca se viu Argentina, Chile e Brasil governados pela direita ao mesmo tempo, considerando somente os períodos democráticos. Hoje, porém, os três países observam uma direita eleita pelos votos exercendo o poder, e que também está governando no Paraguai, na Colômbia, Peru, Equador e na América Central.

Uma direita tecnocrática se apresentou como solução eficiente aos problemas denunciados: recessão, insegurança e corrupção. Esses governos – alguns dos quais reivindicam as ditaduras militares e os genocídios – estão alinhados com a geopolítica dos Estados Unidos ou da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), e com uma agenda de regressão dos salários, das condições de emprego e benefícios dos trabalhadores e dos setores de menores recursos, a favor da privatização dos sistemas de previdência e seguridade social, e à mercê das imposições do Fundo Monetário Internacional (FMI): choque e endividamento condicionante para o futuro.

A direita hoje defende uma corrente individualista, incompatível com a vida coletiva. Não se importa nem deseja o progresso ao alcance de todos, pois está conforme com uma sociedade baseada na desigualdade social. Apesar disso, há trabalhadores, desempregados, camponeses, acadêmicos e intelectuais que a apoia, numa nova expressão da “teoria do possível”, deixando de lado uma direita humanizada que a esta altura, por definição, já não pode existir. Até os ideológicos e ortodoxos do capitalismo financeiro e especulativo já deixaram de usar aquela falácia de um capitalismo com rosto “mais humano”.

A colonização cultural através da imprensa politicamente correta de direita transforma empresários, militares e religiosos em políticos propagandeados como se fossem cartões de crédito, chegando mais longe que marcas como a Coca-Cola, e esperam que essa estratégia seja mais efetiva que uma bala. Ser de direita hoje é dar um aval a isso tudo, apoiar mesmo que passivamente, a renúncia a um futuro coletivo.


VOLVER

Más notas sobre el tema