A denúncia vigente contra o Brasil no Conselho de Direitos Humanos da ONU – Por Eduardo Camín

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Por Eduardo Camín*

Durante a primeira metade deste ano, o CETIM (Centro Europa-Terceiro Mundo) interveio duas vezes na sessão plenária do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Uma vez sobre as violações dos direitos humanos no Brasil, e a segunda para denunciar a situação na Colômbia depois de assinados os acordos de paz.

Desde 1981 o CETIM conta com status consultivo em sua relação com a ONU, o que significa que tem a possibilidade de intervir junto aos órgãos de proteção dos Direitos Humanos das Nações Unidas (Conselho de Direitos Humanos e seus órgãos subsidiários, e órgãos de tratados) para denunciar casos de violações dos Direitos Humanos e apresentar propostas em matéria de novas normas internacionais. Essas intervenções podem tomar a forma de declarações orais ou escritas (estudos de caso).

Passa o tempo, os ecos da Copa do Mundo se apagam lentamente, a realidade embarga nossas consciências. Enquanto isso, o ex-presidente Lula, assim como tantos outros brasileiros, enfrenta a injustiça que mantém preso em Curitiba. Penso, que talvez esta seja a ética da democracia dos tempos modernos, que não necessariamente contempla a dignidade humana e os direitos que dela emanam no mundo contemporâneo, que parece se limitar a uma relação inversamente proporcional entre o discurso e a prática – enquanto mais prolifera o primeiro menos satisfatória é a segunda.

A democracia brasileira, nas mãos do presidente golpista Michel Temer, ganha a aparência da antiga Atenas. A celebrada democracia ateniense foi uma admirável invenção para aqueles que estavam legitimados para participar em suas instituições e procedimentos: os homens gregos livres. Mas as mulheres, os escravos e os forasteiros (imigrantes da época) que lá viviam não tinham razões para considerar que a polis era o fim da história.

Os diálogos platônicos reforçam a ideia de que tão somente um setor esclarecido da população poderia e deveria intervir, como o único a ter direitos sobre os assuntos públicos. Logo, os sofistas e retóricos prepararam o terreno para a afirmação da dignidade, atributo essencial da pessoa humana.

Quando se contrastam a teoria, a legislação e a prática dos direitos humanos, surgem várias questões fronteiriças que podem contribuir para o esclarecimento das contradições e paradoxos aqui planteados. Tais questões são o resultado de um particular interesse: a intervenção humanitária e a dialética entre deveres e direitos.

Embora a soberania dos Estados e os direitos humanos sejam princípios constitucionais da ordem internacional amplamente aceitos de bom grado, deve-se admitir que as relações entre eles estão longe de ser pacíficas, e que, na política dos Estados e dos organismos intergovernamentais – onde o que se pratica nem sempre é o que se predica – o primeiro costuma prevalecer sobre o segundo.

Não obstante, na 37ª sessão do Conselho dos Direitos Humanos, que aconteceu entre os dias 26 de fevereiro e 23 de março de 2018, o CETIM fez uma declaração para pedir que o governo brasileiro respeite suas obrigações internacionais e nacionais, revogando todas as leis que infringem a Constituição, os direitos fundamentais do povo brasileiro e os estatutos sobre os direitos humanos no marco do direito internacional – manifestação que contou com o apoio de outras cinco entidades internacionais que trabalham com a defesa e promoção dos direitos humanos.

Efetivamente, o golpe de Estado institucional que derrubou a presidenta Dilma Rousseff em 2016 estabeleceu um governo que adotou um modus operandi favorável às forças conservadoras e neoliberais, sujeitando a economia à agenda das empresas multinacionais, em detrimento dos direitos das pessoas aos serviços públicos e afetando, assim, os setores mais vulneráveis da população.

Neste contexto, se produziu uma situação que afeta a democracia, com graves retrocessos na proteção dos direitos humanos, e que contribuem a desmantelar os progressos realizados durante as últimas décadas, desde o final da ditadura militar. Pouco depois de haver tomado o poder interino, Temer fechou o Ministério de Direitos Humanos, os ministérios da Igualdade, das Mulheres, da Igualdade Racial e do Desenvolvimento Agrário.

O CETIM e seus sócios exortaram a comunidade internacional e o Conselho de Direitos Humanos da ONU a dobrar a supervisão com fins de prevenção, para tentar evitar o agravamento dessa crise e garantir o retorno da estabilidade institucional no Brasil. Tanto o pedido quanto a denúncia continuam vigentes. Diante dessas acusações, o arrogante governo de Temer finge indiferença e continua aperfeiçoando os instrumentos inquisitivos em seu aparato de justiça – ou seja, maior crueldade nas penas e horrores nas prisões.

Mas atenção, muitas vezes a injustiça e o abuso dos direitos tomam outras formas, enchendo a linguagem jurídica de eufemismos, de tal modo que a prática se constitui em um exemplo das distorções do procedimento, enquanto os instrumentos jurídicos se incrementam, ignorando as arbitrariedades cometidas em seu nome.

A exigência na busca de uma sociedade mais igualitária e democrática, que erradique os fantasmas do absolutismo e da discriminação, é o desafio que se apresenta hoje como decisivo para o futuro do gigante latino-americano.

(*) Eduardo Camín é jornalista, ex-diretor do semanário Siete Sobre Siete, membro da Associação de Correspondentes de Imprensa da ONU, redator-chefe internacional do Hebdolatino e analista associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

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