Abolir uma injustiça flagrante: o trabalho infantil – Por Eduardo Camín

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Por Eduardo Camín*

É comum que o tratamento de temas que envolvem a infância caia no erro de considera-la como uma idade mítica, ou como um período suscetível de ser esquecido. Parece existir então uma ruptura entre a infância e a idade adulta. Ambas as perspectivas se manifestam de uma ou outra forma na investigação social, e são limites que a obstaculizam. Mas poucas áreas da investigação socioeconômica são tão nebulosas e se prestam a uma grande quantidade de interpretações contraditórias e divergentes como o trabalho infantil.

É por isso que é mais conveniente falar sobre as definições de trabalho infantil. Apesar de suas divergências, tais interpretações terminam por confluir numa interpretação vaga.

Crítica à definição convencional

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), nem todas as tarefas realizadas por crianças devem ser classificadas como trabalho infantil, que se deve eliminar. Em geral, a participação de crianças ou adolescentes em trabalhos que não atentam contra sua saúde e seu desenvolvimento pessoal, nem interferem em sua escolarização, é considerada positiva. Entre outras atividades, deve-se citar a ajuda que prestam aos seus pais no lar, a colaboração em um negócio familiar ou as tarefas que realizam fora do horário escolar ou durante as férias para ganhar dinheiro.

Este tipo de atividades ajuda no desenvolvimento dos pequenos e o bem-estar da família, proporcionando qualificações e experiência, e os ajuda a se preparar para serem membros produtivos da sociedade na idade adulta. O termo “trabalho infantil” costuma ser definido como “todo trabalho que priva as crianças de sua infância, de seu potencial e sua dignidade, e que é prejudicial para o seu desenvolvimento físico e psicológico.

Assim, a definição se refere ao trabalho que:

– é perigoso e prejudicial para o bem estar físico, mental ou moral da criança;
– interfere em sua escolarização, dificultando sua assistência às aulas ou obrigando a abandonar a escola de forma prematura;
– exige que a criança combine diferentes atividades obrigatórias, como o estudo e o trabalho pesado, consumindo muito do seu tempo.

Nas formas mais extremas de trabalho infantil, as crianças são submetidas a situações de escravidão, separadas de suas famílias, expostos a graves perigos e doenças, ou abandonados à sua própria sorte nas ruas de grandes cidades. Quando é o caso de qualificar uma atividade específica como trabalho infantil é algo que depende da idade da criança, do tipo de trabalho em questão e da quantidade de horas dedicadas, as condições nas quais o realiza e os objetivos buscados por cada país com sua lei trabalhista. Logo, a resposta varia de um país para outro, e de um setor para outro.

Distribuição por setor de atividade econômica: o setor da agricultura inclui as atividades da agricultura, a caça, a silvicultura e a pesca. O setor da indústria abrange a mineração e os canteiros de obras, a manufatura, a construção e os serviços públicos (eletricidade, gás e água). O setor de serviços abarca o comércio atacadista e varejista, os restaurantes e hotéis, o transporte, o armazenamento e comunicações, setores de finança e seguros, os serviços imobiliários, assim como os serviços sociais às pessoas.

As piores formas de trabalho infantil

Apesar de o trabalho infantil adotar muitas formas diferentes, uma prioridade é a eliminação imediata de suas piores expressões, segundo a definição do Artigo 3 do Convênio número 182 da OIT:

a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, como a venda e o tráfico de crianças, a servidão por dívidas, o trabalho forçado ou obrigatório, incluindo o recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para utilizá-los em conflitos armados;

b) a utilização, o recrutamento ou a oferecimento de crianças para a prostituição, a produção de pornografia ou atuações pornográficas;

c) a utilização, o recrutamento ou o oferecimento de crianças para a realização de atividades ilícitas, em particular a produção e o tráfico de narcóticos, tal como se definem nos tratados internacionais pertinentes, e;

d) o trabalho que, por sua natureza ou pelas condições nas quais se realiza, pode prejudicar a saúde, a segurança ou a moralidade das crianças.

O trabalho que coloca em perigo o desenvolvimento, físico, mental ou moral da criança, seja por sua natureza ou pelas condições nas que é efetuado é denominado “trabalho perigoso”.

Algumas cifras

Em todo o mundo, 218 milhões de crianças entre 5 e 17 anos estão ocupadas na produção econômica.

Entre elas, 152 milhões são vítimas do trabalho infantil, quase a metade, 73 milhões, estão em situação de trabalho infantil perigoso.

– Em termos absolutos, quase a metade do trabalho infantil (72 milhões) se concentra na África; 62 milhões estão na região da Ásia-Pacífico; 10,7 milhões nas Américas; 1,1 milhões nos estados árabes e 5,5 milhões na Europa e na Ásia Central.

– Em termos de prevalência, 1 de cada 5 crianças da África (19,6%) estão em situação de trabalho infantil, enquanto em outras regiões a prevalência oscila entre 3% e 7%: por exemplo, 2,9% nos Estados Árabes (1 de cada 35 crianças); 4,1% na Europa e na Ásia Central (1 de cada 25); 5,3% nas Américas (1 de cada 19); e 7,4% na região da Ásia-Pacífico (1 de cada 14).

– Quase metade das 152 milhões de crianças que são vítimas do trabalho infantil tem entre 5 e 11 anos;
42 milhões (28%) têm entre 12 e 14 anos; e 37 milhões (24%) possuem entre 15 e 17 anos.

– A prevalência do trabalho infantil perigoso é maior entre as crianças entre 15 e 17 anos. Contudo, um quarto das crianças que realizam trabalho infantil perigoso (19 milhões) são menores de 12 anos.

– Dos 152 milhões de crianças em situação de trabalho infantil, 88 milhões são meninos e 64 milhões são meninas.

– Os meninos representam 58% do total de ambos os sexos em situação de trabalho infantil, e 62% do total de ambos os sexos que realizam trabalho infantil perigoso. Se observa que os meninos correm mais riscos de serem recrutados pelo trabalho infantil, mas isso se deve a que o trabalho das meninas não sempre é declarado, especialmente no caso do trabalho infantil doméstico.

– O trabalho infantil se concentra, em primeiro lugar, na agricultura (71%), que inclui a pesca, a silvicultura, a pecuária e a aquicultura, e abrange tanto a agricultura de subsistência quanto a comercial; 17% das crianças em situação de trabalho infantil está no setor de serviços; e 12% no setor industrial, em particular na mineração.

A Organização Internacional do Trabalho, ao definir o trabalho infantil, mostra uma posição ambígua e contraditória. Certamente, as razões para combater o trabalho infantil são óbvias, no entanto, a conceptualização varia segundo os interesses. A entidade admite a gravidade do problema, mas estabelece que exigir a desaparição do trabalho infantil é inconveniente para as famílias que sobrevivem da renda obtida por ele.

A partir dessa ideia, se promove o argumento que o Estado e a sociedade deveriam incentivar a proteção dessas crianças e a melhora de suas condições de trabalho, afirmando que o trabalho não é prejudicial para a criança e que o contrário estimula sua independência, confiança em si mesmo e o dota de habilidades que serão úteis nos trabalhos futuros. Assim, as crianças se sentem satisfeitas por pensarem que são úteis e que contribuem com o gasto familiar, deixando de ser um gasto econômica.

Na Ásia, África e América Latina, as crianças desempenham um papel econômico com uma presença muito importante na vida das comunidades camponesas. Por outro lado, ao abordar o problema a partir da perspectiva dos direitos humanos, a OIT considera que não é conveniente que as crianças trabalhem.

Ao considerar que é uma violação dos direitos da criança, a entidade opina que é dever do Estado intervir para impedi-lo, embora é flexível ao reconhecer sua contribuição econômica; e admite o trabalho infantil nessas circunstâncias, sempre que se realize dentro dos limites, buscando equilibrar o esforço e o tempo da jornada que as crianças têm que realizar. Há certa incoerência lógica na abordagem, que não é motivo de discussão deste artigo, e sim de reflexão, para combater uma injustiça flagrante.

(*) Eduardo Camín é jornalista, ex-diretor do semanário Siete Sobre Siete, membro da Associação de Correspondentes de Imprensa da ONU, redator-chefe internacional do Hebdolatino e analista associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE)

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