A contraofensiva da direita perde força no mundo – Por Emir Sader

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Depois de uma primeira década marcada por governos antineoliberais na America Latina, que projetavam Hugo Chavez, Lula, Nestor e Cristina Kirchner, Pepe Mujica, Evo Morales e Rafael Morales como os grandes líderes políticos da esquerda em escala mundial, a direita retomou a iniciativa e a ofensiva. Conseguiu isolar o governo de Nicolás Maduro na Venezuela, eleger Maurício Macri na Argentina, impor uma derrota a Evo Morales no referendo sobre o direito de se candidatar à reeleição, derrubou o governo da Dilma, prendeu o Lula e elegeu Bolsonaro, reverteu a vitoria do sucessor de Rafael Correa no Equador, fortaleceu as candidaturas de direita no Uruguai, elegeu Ivan Duque na Colômbia, novamente Sebastian Pinera no Chile. O cenário latino-americano mudou radicalmente, de forma consonante com mudanças fundamentais no cenário global.

Em escala mundial, o cenário era comandado pelo Brexit e pela eleição de Donald Trump nos EUA, por governos direitistas na Itália, na Polônia, na Hungria, entre outros. Johnson rapidamente perdeu o controle do seu próprio partido diante da tentativa de saída sem negociação do Brexit e fracassa. O próprio Trump teve que mandar embora Bolton, seu “senhor da guerra”, que também fracassou na sua tentativa de resolver os conflitos pela generalização de núcleos de guerra pelo mundo afora, quando os EUA não conseguiram ainda nem sequer sair do Iraque e do Afeganistão. Fracassa a versão mais radical do trumpismo.

A agenda mundial, que havia assumido tons conservadores, com retrocessos profundos, com as duas cabeças do bloco ocidental há mais de um século, em retrocesso da globalização, deixando um vazio de liderança, se esgota. Trump tem que mudar as formas de enfrentar os conflitos. Johnson se choca com uma maioria parlamentar que bloqueia seu projeto. Salvini é derrotado e substituído por um governo moderado, que reabre as fronteiras da Itália para os imigrantes e derrota a extrema direita. Um governo socialista na Espanha vai se unir ao de Portugal, como governos alternativos às politicas de ajuste imperantes na Europa.

Na Argentina, a espetacular vitória de Macri há quase quatro anos, com o restabelecimento do modelo neoliberal, que o levou rapidamente à rejeição e a uma não menos espetacular derrota, demonstrou que a direita nao tem alternativa a esse modelo que promove os interesses do capital financeiro e ataca frontalmente os direitos da grande maioria da população. Por isso se esgota rapidamente e fracassa.

O cenário latino-americano vai mudando de novo, com a perspectiva de dois dos principais países do continente – México e Argentina – contarem com governos progressistas, isolando o governo de extrema direita do Brasil. As eleições na Bolivia e no Uruguai representam disputas entre governos antineoliberais, que mudaram de maneira tão positiva esses países, e tentativas de restauração neoliberal, ao estilo dos governos da Argentina – até este ano – e do Brasil.

A contraofensiva conservadora vai assim perdendo fôlego, demonstrando que não tem proposta nem para fazer com que a economia global volte a crescer, nem que os focos de guerra sejam pacificados, nem que as desigualdades diminuam em cada país e em todo o mundo. Temos um mundo em que os focos de guerra se multiplicam, a recessão se perpetua e se generaliza, os governos são cada vez mais instáveis, os organismos internacionais cada vez mais desgastados, um mundo cada vez mais incerto.

As velhas potências imperialistas se demonstram incapazes de conduzir o mundo a um futuro melhor. Os discursos de ódio e de guerra têm como resposta ações violentas e instabilidade política ainda maior.

Como ressalta sempre o Lula, ninguém se ocupa do mundo. Cada dirigente pensa os interesses do seu país. Os mais fortes têm que os defenda. A maioria esmagadora da humanidade fica desvalida, entregue à fome e à miséria. Os conflitos bélicos continuam produzindo mortos e imigrantes, rejeitados pelos mesmos países responsáveis por essas guerras.

O impulso conservador perde fôlego, porque não tem o que propor, senão mais violência e mais lucro para o capital financeiro. Seus governos se concentram nos ajustes fiscais, sem políticas sociais, se esgotam rapidamente, fracassam.

Trump era favorito para se reeleger. Apesar de uma alta rejeição – 48% -, enquanto a economia crescesse, ele tenderia a se reeleger. Mas os sintomas de um novo ciclo recessivo na economia internacional não poupariam a economia norte-americana e o clima político se reverteria. Os democratas estão na reta final para decidir seu candidato, aí ficará mais claro o horizonte, mas aumentam as possibilidades de derrota de Trump.

Na Grã Bretanha, o Brexit não conseguiu se concretiar, perdeu sua maioria no Congresso, os trabalhistas e os liberais seriam os vencedores numa eventual nova eleição. A fisionomia política nos dois países chaves no bloco ocidental tende a se alterar, com derrota das suas versões mais direitistas.

Na América Latina, a derrota de Macri anuncia o voo curto da retomada neoliberal e faz prever que no Brasil, também, o neoliberalismo não terá continuidade. Restam os resultados eleitorais no Uruguai e na Bolivia, para definir o novo cenário.

Na Europa, a derrota da direita na Itália e na Espanha, anuncia também um limite aos governos conservadores, rompendo o isolamento de Portugal, quando a recessão econômica intensificará a crise dos governos tradicionais, a comecar pela própria Alemanha.

Depois do primeiro ciclo político no século XXI, marcado pelos governos antineoliberais na América Latina, o segundo foi marcado pela ascensão da direita, com Trump e o Brexit dando o tom. As eleições de Macri e de Bolsonaro faziam parte dessa tendência.

O novo século chega ao final da sua segunda década com as disputas pela hegemonia mundial abertas. O neoliberalismo continua como modelo predominante, mas seu esgotamento é evidente, sem que o capitalismo encontre modelo alternativo, que incorpore politicas sociais. O retorno de um governo antineoliberal na Argentina é uma prova importante para que essa corrente mostre seu vigor, sua capacidade de recuperar de novo a economia do pais e fazê-la voltar a crescer e distribuir renda.

A contraofensiva da direita no mundo perde força e abre a perspectiva para que um novo ciclo de governos antineoliberais possa marcar um terceiro momento no século XXI.

(*) Emir Sader, colunista do 247, é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros.

Alai


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