Crise venezuelana impulsa junta militar virtual no Brasil, com Bolsonaro como vaso chinês – Por Aram Aharonian y Juraima Almeida

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Por Aram Aharonian* y Juraima Almeida**

Menos de dois meses, foi o tempo que durou o governo de Jair Bolsonaro: o posicionamento do Brasil diante da crise venezuelana e sua aliança incondicional com os Estados Unidos e com Israel, fizeram com que os ministros militares assumissem o poder que já estavam monitorando desde o golpe de 2016, contra a presidenta Dilma Rousseff.

Seis militares de alta patente: Augusto Heleno, Hamilton Mourão (vice-presidente), Carlos Alberto dos Santos Cruz, Eduardo Villas Bôas, Fernando Azevedo e Silva e Floriano Peixoto Neto, substituíram o destituído ministro Gustavo Bebianno como Chefe da Secretaria Geral da Presidência, formando uma espécie de “junta militar virtual”.

Villas Bôas foi o grande estrategista e articulador, que submeteu o Supremo Tribunal Federal para impedir a liberação de Lula e vedar seu caminho de volta ao poder nas eleições de 2018, assegurando assim o surgimento do novo regime. É qualificado como um Augusto Pinochet pós-moderno, do tempo dos golpes sem mobilização de tropas, sem bombardeios nem sangue nas ruas. Ele é o líder, mas sofre de um caso fatal de esclerose lateral amiotrófica, que o mantém numa cadeira de rodas e com um respirador mecânico.

O chefe do Gabinete Institucional da Presidência, general Augusto Heleno, teve um papel decisivo na campanha eleitoral. Alberto dos Santos Cruz e Peixoto Neto formam o “núcleo haitiano” da junta. Os três comandaram as forças da ONU no Haiti entre 2002 e 2010.

A “junta militar” assumiu silenciosamente e com amplo apoio das elites empresariais, que os veem como a última oportunidade de implementar um programa ultra neoliberal. Os editoriais de O Globo e O Estado de São Paulo foram categóricos: “seria ingênuo acreditar que Bolsonaro, de um momento a outro, passará a se comportar como presidente e assumirá as responsabilidades do governo”, decretou o diário paulista.

“O capitão Jair Bolsonaro poderá continuar vivendo no Palácio da Alvorada, e até jogar videogames em seu escritório no Planalto. Sempre que obedeça seus superiores, os generais”, afirma Mauro Lopes, editor do portal Brasil 247 e do Jornalistas pela Democracia. Enfim, o presidente é um vaso chinês, um adorno constitucional.

Mourão esboçou a tese militar em Bogotá

Para o analista César Fonseca, ficou clara a posição dos militares brasileiros – representados por Hamilton Mourão – de compatibilidade com a pressão imperialista da Casa Branca, cujo interesse maior é o de se apropriar do petróleo venezuelano.

“O Brasil se mostrou incapaz de adotar uma política independente, e de se posicionar como líder sul-americano, jogando pela janela essa oportunidade, temeroso demais por uma eventual pressão de Washington, em um momento em que a economia brasileira está completamente vulnerável devido ao excessivo endividamento interno, que inviabiliza um desenvolvimento sustentável. Falar mal dos estadunidenses agora é impensável”, agregou.

Mourão revelou ambiguidade: o Brasil não quer intervenção militar na Venezuela, mas também condena o processo revolucionário e constituinte chavista, que empodera a população pobre venezuelana. A retórica revolucionária bolivariana enche de terror as elites conservadoras não só brasileiras como latino-americanas, aliadas do capitalismo multinacional, em condição de sócios menores.

O vice-presidente opina que a Venezuela não poderá sair sozinha da “opressão do regime chavista”, se não for proposta uma solução mais enérgica ao problema. Para Mourão, o momento é de solidariedade interamericana, “despida de ideologia e sectarismo”, para evitar conflitos que agravem a crise, e pediu sanções de organismos internacionais como a ONU (Organização das Nações Unidas), a OEA (Organização dos Estados Americanos) e os tribunais internacionais.

O tom das declarações pronunciadas pelo general, citando o princípio de não intervenção em assuntos internos de outros países, está longe das realizadas por Bolsonaro há um mês e meio, quando sugeriu participar em um plano “bélico” contra Caracas, o qual contemplava autorizar a instalação de bases estadunidenses em território amazônico.

Enquanto isso, Celso Amorim, que foi chanceler dos governos de Itamar Franco e Lula da Silva, além de ministro da Defesa de Dilma Rousseff, acredita que a América Latina corre, pela primeira vez na história, o risco de uma ação militar estadunidense, e que também pela primeira vez o Brasil perdeu a oportunidade de evitar um conflito dessa magnitude. “Ao tomar partido no conflito, se desqualificou como mediador e atribuiu essa missão ao México, ao Uruguai e à ONU”, comentou.

“Os especialistas em estratégia militar concordam em afirmar os problemas geopolíticos que a Amazônia brasileira apresenta e a desvantagem das Forças Armadas brasileiras em matéria de equipamentos em comparação com as venezuelanas, dotadas de modernos caças bombardeiros Sukoi e baterias antiaéreas de fabricação russa”, relata o analista Darío Pignotti. Dois militares ministros disseram ao site de notícias UOL que o Brasil seria prejudicado se a crise venezuelana escala a uma fase militar.

O professor e jornalista Gilberto Maringoni analisa que o sentido comum do setor militar colocou um freio de mão nos delírios napoleônicos de Bolsonaro – que jamais soube nada de estratégia militar –, David Alcolumbre (presidente do Senado), Dias Tófolli (presidente do Supremo Tribunal Federal, STF) e Ernesto Araújo (chanceler), que defenderam quase uma nova invasão da Normandia, em declarações publicadas pelo jornal Folha de São Paulo. “Uma ação mais decidida deveria ser tomada por terra, no meio da selva, e risco de terminar em um fiasco militar seria enorme”, ressalta.

Subimperialismo adiado

As aspirações geopolíticas do Brasil desde a sua restrição regional esteve sempre centrada em se tornar um satélite privilegiado dos Estados Unidos para hegemonizar a América do Sul, incluindo os seus devaneios globais contemporâneos, apesar dos desafios internos, como a pobreza extrema, os 12,6 milhões de desempregados, a fome e a desnutrição.

Os militares se mostraram sempre contrário ao plano de Bolsonaro de albergar bases militares dos Estados Unidos (em Alcântara, na fronteira nordeste, na Amazônia ou na Tríplice Fronteira com a Argentina e o Paraguai) por não estar alinhada à política nacional de Defesa, e poderia complicar as delicadas discussões bilaterais para o uso do Centro de Lançamento de Alcântara, para o posicionamento de satélites: os brasileiros querem vender serviços em regime de cooperação, e não ceder o controle da base.

As tese do expansionismo brasileiro e sua política exterior (claramente colonialista), ganharam força durante a ditadura militar-empresarial (1964-1985), quando o general Golbery do Couto e Silva – autor de Geopolítica do Brasil , de 1966 – se posicionou como o principal estrategista do regime, com suas teorias sobre o papel hegemônico que estaria reservado ao Brasil na América do Sul.

Golbery falava de fronteiras ideológicas, da Força Interamericana de Paz, do papel de guardião da ordem continental, de satélite privilegiado, do destino manifesto do Brasil ao sul do Caribe, de sua vocação rioplatense, que as fronteiras brasileiras deveriam chegar aos Andes, de aberturas ao Pacífico, de um porto livre no Caribe, do controle do Atlântico Sul com a instalação na Antártida, e de herdar as ex-colônias lusitanas na África,

Hoje, aquelas velhas teses e teorias subimperialistas – baseadas na doutrina dos fatos consumados – parecem voltar à tona com o governo de Bolsonaro, que acredita que a União Soviética ainda existe, e que por isso é preciso combater o comunismo. Ressurge assim a ideia básica da integração latino-americana sob a tutela norte-americana: “somente a conquista do hemisfério por parte dos Estados Unidos e a implacável destruição das economias nacionais agora existentes, poderia viabilizar uma integração necessária”, teorizava o velho general.

Golbery assumia que “as nações pequenas se verão, do dia para a noite, reduzidas à condição de estados pigmeus, e já prevê o seu melancólico fim, engolidos pelos inevitáveis planos de integração regionais. A equação do poder no mundo se reduz a um pequeno número de fatores, e nela se percebem poucas constelações feudais (estados barões) rodeados de estados satélites e vassalos. Não há outra alternativa, a não ser aceitar (os planos de integração do império) ou aceitar conscientemente”.

Em resumo, o general guru dos militares que lideram verdadeiramente o atual governo brasileiro pensava que os Estados Unidos deveriam reconhecer o destino manifesto do Brasil na América do Sul, escolhendo-o como seu “satélite privilegiado”. Mas talvez o vice-presidente estadunidense Mike Pence pense diferente, já que deixou claro que a Colômbia, um narcoestado, e o seu principal sócio estratégico na região, a qual consideram o seu quintal traseiro.

(*) Aram Aharonian é jornalista e comunicólogo uruguaio, fundador do canal TeleSur. Preside a Fundação para a Integração Latino-Americana (FILA) e dirige o Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE).

(**) Juraima Almeida é investigadora brasileira, analista do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE).

Publicado originalmente em estrategia.la | Tradução de Victor Farinelli

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