Ala militar moderada se diz contra decisão de Bolsonaro de comemorar golpe de 1964
Integrantes da ala mais moderada das Forças Armadas têm dito que são contra a decisão do presidente Jair Bolsonaro de determinar ao Ministério da Defesa que prepare as «comemorações devidas» pelos 55 anos do golpe militar de 1964.
Segundo o blog apurou, causou desconforto entre esses militares, alguns de alta patente do Exército, Marinha e Aeronáutica, a ideia de que é necessário «comemorar uma velha ferida nacional».
Militares querem lembrar a data, mas não dar um tom de comemoração. Acham que isso pode ter o efeito oposto ao desejado.
O regime militar deixou números conhecidos, como os mais de 400 desaparecidos políticos citados pelo colunista do G1, Hélio Gurovitz.
Um relatório do «Projeto Brasil: Nunca Mais» registra também os relatos de tortura no período: 1.843 pessoas fizeram 6.016 denúncias de violações de direitos humanos, sendo 4.918 contra homens e 1.098 contra mulheres.
A colunista Dorrit Harazim lembrou, na coluna deste domingo (25) do jornal «O Globo», que o presidente, na tentativa de defender os governos militares em toda a América do Sul, ofendeu a história do Chile, do Cone Sul e o julgamento universal de humanidade.
Convenções europeias fizeram referência à Declaração Universal do Direitos Humanos, proclamada pelas Nações Unidas ainda no final da década de 1940. Ou seja, em meados do século passado.
A declaração nasceu do trauma pós-Segunda Guerra Mundial, quando vários países se juntaram para elevar novos alicerces para a sociedade depois da barbárie. A ideia era a de que direitos humanos não têm partido – são um marco civilizatório básico, comum à toda a humanidade.
O entendimento de que é preciso respeitar a memória das vítimas daquele período, já que muitas das torturas e mortes foram produzidas em prédios públicos, sob o comando de agentes do Estado, não favorece apenas um lado da história, mas a sociedade brasileira como um todo.
Ditaduras foram sangrentas seja à esquerda ou seja à direita do espectro político. No capítulo 59 do livro que escrevi sobre o regime militar (Em Nome dos Pais, Ed. Intrínseca, 2017), conto como uma família finlandesa que conheci foi brutalmente perseguida pelo regime soviético.
O presidente do Chile, Sebastián Piñera, por exemplo, tem uma trajetória política à direita, mas resolveu marcar posição de distanciamento em relação a Bolsonaro quando os assuntos são ditaduras sul-americanas, criticando-o abertamente.
Os dados sobre torturas e mortes chilenas sob ditadura são ainda mais violentos que os brasileiros. Por isso, não se trata de ser de direita ou de esquerda, mas de valores universais e marcos civilizatórios. Mesmo sendo de direita, Piñera fez questão de chamar as declarações de Bolsonaro de «extremamente infelizes».
MPF alerta Bolsonaro sobre apoio a golpe de Estado: «Crime de responsabilidade»
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão reagiu nesta terça-feira (26) à determinação do presidente Jair Bolsonaro (PSL) aos quartéis para comemorarem o aniversário de 55 anos do golpe militar no próximo domingo (31). A derrubada do governo João Goulart, que deu início a uma ditadura de 21 anos, é chamada pelo capitão reformado de “data histórica”. Segundo nota divulgada pelo órgão, vinculado ao Ministério Público Federal (MPF), o apoio do presidente da República a um golpe naqueles moldes poderia configurar crime de responsabilidade.
“Se repetida nos tempos atuais, a conduta das forças militares e civis que promoveram o golpe seria caracterizada como o crime inafiançável e imprescritível de atentado contra a ordem constitucional e o Estado Democrático previsto no artigo 5°, inciso XLIV, da Constituição de 1988”, diz o texto. “O apoio de um presidente da República ou altas autoridades seria, também, crime de responsabilidade (artigo 85 da Constituição, e Lei n° 1.079, de 1950). As alegadas motivações do golpe – de acirrada disputa narrativa – são absolutamente irrelevantes para justificar o movimento de derrubada inconstitucional de um governo democrático, em qualquer hipótese e contexto”, completa.
Ainda de acordo com a nota da Procuradoria, o «golpe de Estado de 1964 deu origem a um regime de restrição a direitos fundamentais e de repressão violenta e sistemática à dissidência política, a movimentos sociais e a diversos segmentos, tais como povos indígenas e camponeses».
Bolsonaro é considerado um apoiador da ditadura que se iniciou em 1964. Conhecido por fazer apologia à tortura, o presidente comunicou por meio do porta-voz Otávio Rêgo Barros que as Forças Armadas devem fazer as «comemorações devidas» no aniversário do golpe.
A Comissão Nacional da Verdade (CNV) reconhece que houve ao menos 434 mortes e desaparecimentos de opositores por razões políticas durante a ditadura civil-militar (1964-1985).
No mesmo dia, a Defensoria Pública da União (DPU) ingressou na 9ª Vara Federal Cível da Justiça Federal da 1ª Região com uma ação civil pública contra a União pela declaração do governo Bolsonaro sobre as «comemorações devidas». A ação pede que as Forças Armadas «se abstenham de levar a efeito qualquer evento em comemoração a implantação da ditadura no Brasil».
Exército confirma comemoração ao golpe de 64 e fala em ‘fato histórico’
Depois de o presidente Jair Bolsonaro (PSL) orientar que os quartéis comemorem o aniversário do golpe militar de 1964, ocorrido em 31 de março, estão sendo preparadas pelos militares solenidades nos moldes daquelas em que «se comemora um fato histórico em que o Exército tenha tomado parte».
A informação foi confirmada pelo Centro de Comunicação Social do Exército, em resposta a questionamentos enviados pelo UOL sobre a cerimônia.
O evento também já aparece na agenda do comandante do Exército, General Edson Leal Pujol, como «solenidade comemorativa».
A comemoração está agendada para a sexta-feira (29), às 8h, no Comando Militar do Planalto, em Brasília, e «seguirá os mesmos procedimentos previstos na legislação», segundo o Exército.
Haverá apresentação da tropa à autoridade militar mais antiga, os presentes cantarão o hino nacional, será lida uma ordem do dia e depois haverá um desfile para a autoridade máxima presente.
Hoje, o MPF (Ministério Público Federal) afirmou que a recomendação sobre as celebrações é «revestida de enorme gravidade constitucional» e desrespeita o estado democrático de direito.
Governo com grande presença militar
O governo Bolsonaro reúne o maior número de militares na Esplanada dos Ministérios desde o período da ditadura, que se iniciou em 1964 – quando um golpe militar derrubou o ex-presidente João Goulart – e terminou apenas em 1985.
Em entrevista coletiva concedida ontem, o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros, afirmou que «o presidente não considera 31 de março de 1964 golpe militar» e que os 21 anos de ditadura serviram para «recolocar o nosso país no rumo».
O presidente foi convencido que as celebrações sejam feitas de maneira discreta, sem manifestações públicas, como era antes de a ex-presidente Dilma Rousseff retirar a data do calendário oficial de comemorações do Exército.
O receio é que comemorações públicas efusivas possam piorar o clima político do país e ofuscar a reforma da Previdência, prioridade do governo.
Bolsonaro e a ditadura
Ainda antes de entrar na corrida ao Palácio do Planalto, Bolsonaro já demonstrava admiração pelo período da ditadura.
Em abril de 2016, durante votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o então deputado homenageou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-Codi de São Paulo, órgão de repressão política do governo militar.
«Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff», disse, na ocasião, ao votar a favor da cassação do mandato. Dilma foi presa em 1970 e torturada por agentes da ditadura enquanto pertencia à luta armada formada pela esquerda brasileira.
Ustra é acusado de ter comandado torturas a presos políticos, assim com a ex-presidente. É dele o livro de cabeceira de Jair Bolsonaro, de acordo com entrevista dada ao programa Roda Viva, da TV Cultura, durante o período eleitoral.
«A Verdade Sufocada» conta o que ocorreu no período da ditadura sob o ponto de vista dos militares, dizendo «a história que a esquerda não quer que o Brasil conheça».
Também enquanto deputado, em 2015, Bolsonaro celebrou a data do golpe ao lado dos filhos Flávio e Eduardo, em frente à Esplanada dos Ministérios. Com um rojão na mão, ele posou para fotos junto a uma faixa com os dizeres «Parabéns, militares. Graças a vocês, o Brasil não é Cuba».
C/ @FlavioBolsonaro e @BolsonaroSP na Esplanada dos Ministérios celebrando o 31 de março de 1964. pic.twitter.com/1YZYbnliBj
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) March 31, 2015
Haddad e Boulos repudiam decisão de Bolsonaro de celebrar golpe militar
Os ex-candidatos à Presidência da República Fernando Haddad (PT) e Guilherme Boulos (PSOL) repudiaram a determinação do presidente Jair Bolsonaro de que as Forças Armadas comemorem o dia 31 de março, data do golpe militar de 1964. Segundo eles, a celebração pode estimular a violência, a tortura e valores antidemocráticos. As declarações foram dadas na manhã desta terça-feira, após uma reunião em Brasília.
— Nós repudiamos inteiramente o que foi publicado ontem, do Bolsonaro ter autorizado e estimulado as comemorações sobre o aniversário do golpe militar de 1964. Esse é um sinal que estimula a violência, a tortura e todos os valores que já foram derrotados pela campanha por Diretas Já e pela democracia no Brasil — afirmou Boulos.
Haddad e Boulos estiveram na capital federal para um encontro com líderes de oposição ao governo. Também participaram o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), Sônia Guajajara, que foi candidata à vice na mesma chapa de Boulos e Ricardo Coutinho (PSB). O grupo divulgará uma nota pública no próximo dia 31 de março em solidariedade às famílias de desaparecidos políticos no período da ditadura militar e condenando a tortura.
Na reunião, os cinco participantes também discutiram o fortalecimento de um bloco de oposição ao governo de Jair Bolsonaro e afirmaram que a intenção é ampliar esse bloco. O petista Fernando Haddad disse que o atual governo «envelheceu» e se «distingue para pior» em relação ao governo anterior, de Michel Temer.
— Entendemos que o governo envelheceu muito rapidamente, se assemelhando ao governo anterior, do Temer, e naquilo que ele se distingue ele se distingue para pior. Então nós queremos reproduzir esse tipo de encontro entre nós e mais pessoas para formar uma consciência cada vez mais clara de que nós temos que apresentar uma alternativa para o que está colocado pelo governo Bolsonaro — declarou Fernando Haddad.
O governador do Maranhão, Flávio Dino, avaliou que o governo está em «profundo desgaste» e que a crise ecoa na própria base:
— O cenário é de profundo e rápido desgaste do governo, de modo que isso se colocou objetivamente dentro da própria base. Isso mostra que há um enfraquecimento do governo — analisou Dino.
O grupo ressaltou que não se tratava de uma reunião de partidos mas de lideranças do campo da oposição e anunciou que devem divulgar um texto, assinado pelos cinco participantes, ainda nesta terça-feira, com os principais eixos de atuação para se opor à gestão de Bolsonaro.
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