A direitização das elites – Por Paul Walder

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Por Paul Walder*

A renúncia do escritor ultradireitista Mauricio Rojas ao Ministério da Cultura e das Artes fecha um microciclo político de escassos quatro dias, mas deixa outro período de várias décadas ainda em aberto. Aquele processo político e social denominado “transição à democracia”, iniciado com entrega de poder político por parte do ditador Augusto Pinochet (1973-1990) ao primeiro representante da já extinta aliança partidária Concertação, não só está longe de ser concluído como tende à regressão, às tensões próprias de suas origens. Há quase 30 anos do plebiscito do “SIM” e do “NÃO” há ditadura, e há 45 do golpe de Estado, todas as dores, humilhações, ódios e demônios continuam presentes no país.

As declarações de Mauricio Rojas a um jornalista da CNN, devido à publicação do seu livro “Diálogo de Convertidos”, em coautoria com o também ministro (chanceler) Roberto Ampuero, foram emitidas há dois anos. Nelas, o escritor expressou toda a sua aversão, como bom convertido, à cultura de esquerda, à memória com respeito aos crimes da ditadura e ao Museu da Memória de Santiago.

Ainda mais grave que as ofensivas declarações, com pitadas de negacionismo e justificação das violações aos direitos humanos, foi sua nomeação ao Ministério da Cultura, que sem dúvidas – e felizmente – terá um efeito nocivo para o governo do presidente Sebastián Piñera, que marca uma crescente tendência de desaprovação. Uma designação que expressa a nula compreensão, por parte do governo e seu presidente, dos processos sociais e da história chilena recente. A direita que justifica o golpe, a ditadura e os crimes cometidos por ela parece que ainda entende os processos políticos dentro de um contexto de Guerra Fria e inimigos internos.

Existe também outra explicação para a nomeação de Rojas. Semanas atrás, a Sala Penal da Corte Suprema outorgou a liberdade condicional a sete condenados por crimes contra a humanidade durante a ditadura, decisão que foi endossada pelo governo.

Estes dois eventos nos mostram que, no atual cenário político, de clara regressão cultural com respeito aos direitos humanos, estamos presenciando uma nova aparição da direita mais dura, aquela que levanta a tese do empate para a justificação do golpe de 1973 e das violações aos direitos humanos cometidos pelo Estado chileno. Nesse sentido, surge o discurso do ultradireitista José Antonio Kast e não poucos grupos que operam no obscurantismo.

Este reeditado contexto político, com claras linhas fascistas e de uma não sempre perceptível violência, se instala no país filtrado pelas decisões de um governo conformado por uma classe dominante que, em todas as esferas do poder, observa com incomodidade o ressurgimento de uma sociedade organizada e crítica com um modelo econômico e político claramente excludente. Essa direita tradicional é evidentemente mais próxima das posturas fascistas que de posições inspiradas nos valores dos direitos humanos e sociais.

Há outro elemento que também favorece a extensão e amplificação dessa posição política: o cenário externo. Os Estados Unidos, com Donald Trump como presidente, e a Europa, com vários representantes da linha mais autoritária, estão entregues à extrema direita, impulsada pelos sentimentos de repulsa aos imigrantes e promotoras de diferentes campanhas de violência política, como o permanente assédio ao governo venezuelano. Essa corrente que naturaliza a exclusão social, inflama o nacionalismo e demoniza os socialismos em todos os matizes está separada do ódio aberto por uma linha tênue.

A sociedade chilena tenta se adaptar a esse ambiente altamente arriscado e regressivo. Felizmente, desde o começo desta década, assistimos a uma reinstalação – esperamos que irreversível – de organizações sociais e territoriais que expressam as demandas das pessoas. Isso é o que temos observado nestas semanas. Primeiro, com as reações à decisão da Corte Suprema, e logo, com a nomeação de Mauricio Rojas, que conseguiu se manter no cargo por incríveis quatro dias. Em ambos os casos, foram as ações espontâneas, canalizadas pelas redes sociais, pela imprensa digital e por alguns líderes de opinião – como foi a coluna do reitor da Universidade Diego Portales, Carlos Peña, publicada surpreendentemente pelo diário direitista El Mercurio, pedindo a renúncia de Rojas o quanto antes. Diante desse vendaval social, o governo de Piñera, que já não vem bem das pernas, teve que retroceder.

Contudo, mesmo quando podemos ver um triunfo da sociedade civil, fica também a dúvida sobre o caminho que as elites tentam seguir.

(*) Paul Walder é jornalista chileno, diretor do site Politika.cl

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