Sobre la “Carta de Salvador” – Por Valter Pomar, dirigente del PT y secretario del Foro de Sao Paulo

538

Sobre a “Carta de Salvador” (análise preliminar)

Amanhã começa o 5º Congresso do Partido dos Trabalhadores.

Nos últimos dias foi publicada uma grande quantidade de textos acerca do tema, desde análises da chamada grande imprensa, passando por entrevistas e artigos de petistas das mais variadas posições, até documentos publicados pelas chapas que disputaram o PED 2013.

Serão os delegados e as delegadas eleitas por estas chapas que decidirão o que será (ou não) aprovado pelo 5º Congresso do Partido. E os números são claros: dos 800 delegados e delegadas com direito a voto, 429 foram eleitos pela chapa “O Partido que muda o Brasil”.

Para quem não conhece os meandros do PT, esta chapa é composta basicamente por três tendências: a “Construindo um Novo Brasil”, o “PT de Luta e Massas” e a “Novos Rumos”.

Em maio de 2015, todas as chapas que disputaram o PED 2013 apresentaram projetos de resolução ao 5º Congresso. E no dia 8 de junho, algumas chapas “atualizaram” seus projetos. A chapa “O Partido que muda o Brasil” apresentou uma “atualização” denominada “Carta de Salvador”, acompanhada de várias resoluções específicas (ver ao final a íntegra do texto).

Também apresentada como “Declaração de Salvador”, a Carta é apresentada como um “documento de compromissos históricos, de revigoramento de nossos princípios fundantes e de atualização de nosso projeto”.

Uma discussão sobre a autoria do texto e sobre os mecanismos pelos quais ele foi adotado pela referida chapa podem ficar para outro momento.

Agora vale analisar seu mérito, uma vez que – salvo alguma reviravolta – existe uma grande chance deste texto converter-se em texto base e também em resolução final do 5º Congresso.

O primeiro parágrafo da “Carta de Salvador” (daqui para frente denominada de Carta) é uma profissão de fé politicamente correta: renova a “confiança no povo brasileiro”, reafirma a convicção de que “uma Pátria socialista” só se fará com o “aprofundamento da democracia e a ampla participação organizada das maiorias sociais”, diz que vai “apresentar propostas de superação das dificuldades do momento”, e também que “nos fiamos na determinação e competência do governo da presidenta Dilma para nos liderar nessa travessia”. Fala ainda que “reconhecemos nossos avanços, apontamos nossos erros, sugerimos novos caminhos a trilhar e, sobretudo, divisamos um futuro de esperança, de progresso social e de paz”.

Em seguida (parágrafos 2 a 15) temos uma síntese da situação internacional, a começar da “crise do capitalismo irrompida em 2008”. Há uma correta crítica ao “repertório neoliberal frente à crise, rebatizado de austeridade fiscal”. Há semelhanças entre parte do que se critica e aquilo que faz o atual mandato Dilma, especialmente através do ministro Joaquim Levy.

A Carta apresenta China, Rússia, Grécia e a América Latina como “uma das principais frentes de resistência” àquele receituário. Mas afirma que a “alteração do cenário internacional estabeleceu limites e impasses para o aprofundamento” das políticas “social-desenvolvimentistas” implementadas em nossa região. O novo quadro “aguça as lutas de classes”: “a continuidade da ascensão dos pobres da cidade e do campo passou a depender de reformas tributárias e nacionalização de ativos”. Há uma “ofensiva imperialista” contra as experiências latino-americanas; os “governos progressistas defrontam-se com dilemas cruciais”: “aprofundar a integração regional ou curvar-se à inserção subordinada ao sistema comandado pelo imperialismo; promover reformas que reduzam a transferência de renda do Estado para grupos privados ou ceder às exigências de mercado para ampliar os ganhos do grande capital”.

Feita esta análise internacional, o texto (a partir do parágrafo 16) aborda a situação do Brasil, “desde 2003, um dos pilares da nova realidade latino-americana”. Repete aqui afirmações convencionais em textos do gênero adotados por nosso Partido: há quase treze anos “o país vive a implantação progressiva de um projeto de desenvolvimento com inclusão social, geração de milhões de novos empregos, distribuição de renda, fortalecimento do mercado de trabalho e abertura de oportunidades para a população”. Os governos “liderados pelo Partido dos Trabalhadores, aproveitando-se com inteligência e firmeza das condições externas e internas, vigentes até a eclosão da crise capitalista, foram paulatinamente reduzindo as taxas de juros, eliminando a dívida pública externa e diminuindo o peso relativo do endividamento interno”. O Estado, “a partir deste redimensionamento dos encargos financeiros, amealhou recursos para um conjunto de programas que mudaram drasticamente a vida dos brasileiros mais pobres”. O “poder público retomou dinamismo como principal investidor em obras de infraestrutura e projetos estratégicos”. O país “tornou-se destino obrigatório dos fluxos internacionais de investimento”.

O texto afirma que com a eclosão da crise internacional, “o Estado começou a perder capacidade de financiar o modelo de desenvolvimento em construção”.

Lemos aqui o mesmo tipo de raciocínio exibido na descrição da situação internacional: as coisas iam bem, até que veio a crise internacional.

Uma análise mais rigorosa mostraria que a crise internacional apenas antecipou um fenômeno que muito provavelmente ocorreria de qualquer maneira, devido às contradições internas da “estratégia progressista”. Contradição que pode ser resumida assim: no médio prazo, é impossível melhorar a vida dos pobres sem afetar os ricos.

É provável que o autor da Carta saiba disto, mas tenha optado por exagerar nos elogios para facilitar as críticas que faria a seguida, a saber: o governo conseguiu “defender o emprego e a renda dos trabalhadores, mas a soma de desonerações dos grupos capitalistas e arremetida dos custos da dívida interna esvaziaram os cofres do Estado, ainda mais depauperados pelo enfraquecimento do PIB e da queda da arrecadação tributária”.

Prossegue a Carta: “o excedente comercial dos primeiros dez anos permitiu o avanço do projeto petista sem mexer nas estruturas rentistas herdadas dos governos neoliberais, mas a retração mundial escancarou o caráter antinacional da financeirização de empresas produtivas e da concentração de renda provocada pela acumulação de bônus da dívida interna”. Diz ainda que o rentismo “inibe os investimentos privados e aprofunda o processo de desindustrialização”.

A Carta insinua, mas não entrega, uma análise da natureza do capitalismo brasileiro e do padrão de acumulação de riquezas de empresariado. Aliás, de forma geral, a Carta deixa nosso Partido na mesma situação em que já estamos há mais de 20 anos: sem uma análise das classes e da luta de classes no Brasil.

Seja como for, “a nova realidade impõe um desmonte progressivo do rentismo, um combate implacável aos saudosistas do neoliberalismo a fim de recuperar a soberania financeira do Estado”.

O que impressiona neste trecho acima transcrito é que em 2001, o companheiro Celso Daniel apresentou ao congresso do PT em Olinda (PE) uma proposta de programa de governo que defendia a ruptura com os fundamentos do neoliberalismo. Seis meses depois, já durante a campanha presidencial de 2002, o senhor Antonio Pallocci propunha e a maioria do diretório nacional do PT aprovava a supressão da palavra “ruptura” de nosso programa. No seu lugar, entrava em cena um programa de transição do neoliberalismo em direção a outro modelo. E agora, passados 13 anos, fala-se em desmonte progressivo do rentismo. O que comprova como criou raízes no petismo esta tradição política brasileira, este método de transformação tão lenta, tão segura e tão gradual, que parece acreditar ser possível mudar sem mudança.

A partir do parágrafo 30, a Carta apresenta e critica a posição da oposição neoliberal: “defendem que a retomada do crescimento depende da atração de capitais externos a qualquer custo, através da redução relativa de salários e direitos, elevadas taxas de juros, privatizações e desregulamentações, diminuição dos gastos públicos e a inserção subordinada do País em acordos de livre-comércio e nas cadeias produtivas globais”.

A Carta afirma que o PT se contrapõe a este ponto de vista, “prejudicial aos interesses nacionais e à maioria da população brasileira”. Mas não diz que aquele programa é no fundamental aquele defendido pelo ministro Levy.

Note-se, aliás, a ausência na Carta de uma análise acerca do ajuste em curso. É como se fosse possível falar do futuro e do passado, omitindo uma análise sobre o presente.

No parágrafo 32, a Carta apresenta uma ideia essencial: “a opção pela qual lutamos é a da transição de políticas públicas para reformas de base”, “um novo programa para um novo ciclo de desenvolvimento, cujo núcleo fundamental é a transformação do sistema tributário”, além da “reversão da política de juros altos”, do “imposto sobre grandes fortunas, heranças e sobre lucros e dividendos”, “mudança das alíquotas do Imposto de Renda”, ”retomada da contribuição sobre movimentação financeira” e ”manutenção da política de conteúdo nacional e do regime de partilha na exploração do pré-sal”.

Estas medidas são apresentadas como “fundamentais para dotar o governo de recursos que possibilitem a execução das cinco reformas indispensáveis para a edificação do Estado de bem-estar social: agrária, urbana, educacional, sanitária e de transportes”.

Há um ditado que afirma que não se deve pedir “peras al olmo”. Assim, talvez seja demasiado exigir desta Carta, escrita, adotada a e apresentada como foi, que perceba que do ponto de vista estratégico está propondo que o Partido gire em círculos.

Afinal, não há nada mais socialdemocrata do que a ideia de construir um Estado de bem-estar social através de políticas públicas sustentadas por impostos generosos pagos pelos ricos. E o que existe de especificamente socialdemocrata nesta estratégia é a crença de que seja possível, a um capitalismo como o brasileiro, num mundo como o atual, implementar uma política deste tipo até um “final feliz”.

Durante muitos anos, o PT acreditou noutro caminho, diferente do socialmente. Este outro caminho era exatamente a defesa de “reformas estruturais”, que não apenas supunha rupturas políticas, mas também rupturas socioeconômicas com o tipo de capitalismo que temos no Brasil.

A Carta de certa maneira reconhece que o primeiro caminho (socialdemocrata) não funciona mais. Mas a Carta não consegue desenvolver o que seria o outro caminho. E sugere como caminho alternativo ao atual, não uma nova estratégia, mas apenas uma “atualização” do caminho atual, isto apesar da Carta reconhecer seus limites.

A verdade é que a chapa “Partido que muda o Brasil”, neste texto como em outros de encontros e congressos passados, não consegue extrair os ensinamentos devidos do imenso e fantástico material de análise que nos é oferecido pela experiência de 13 anos de governos nacionais liderados pelo PT.

Um exemplo deste equívoco está na relação de três medidas que a Carta considera imediatas, dentre as várias reformas do Estado necessárias: “a reorganização administrativa e institucional, que viabilize a reprogramação de todas as políticas públicas a partir da matricialidade e integração setorial de suas especialidades”; “a ampliação das políticas distributivas para as redistributivas”; e a “reinvenção do mercado, tendo em vista o poder dos grandes grupos econômicos sobre o Estado”.

Independente do que pensemos acerca de cada uma destas medidas (a “reinvenção do mercado”, por exemplo, é quase um clássico da retórica do vácuo), a questão central está na afirmação segundo a qual “somente uma reforma do Estado e uma maior ampliação do fundo público poderão ensejar um novo patamar civilizatório”.

Tomada em si, esta não é uma afirmação incorreta. Mas falta considerar o seguinte: é possível reformar o Estado e ampliar o fundo público em benefício das maiorias, sem “reformar” simultaneamente a estrutura social? Sem quebrar a obscena concentração de propriedade que existe neste país? É possível falar em reforma do Estado, num país em que a burguesia reage tão furiosamente contra políticas redistributivas, que dizer de reformas estruturais??

Se a resposta a estas questões for negativa, se acreditamos (e depois de 13 anos de governo, temos mais motivos ainda para acreditar) que a “reforma” do Estado deve ser simultânea à “reforma” econômico-social, e que ambas exigiram um “reformismo” muito forte, então o Partido precisa fazer um debate estratégico muito mais profundo do que aquele que vem sendo feito nos últimos anos.

A este respeito, a Carta reconhece ser necessário um “movimento potente de renovação estratégica, que influencie a política de alianças, as formas de organização e ação, as relações com os movimentos sociais e a institucionalidade”. E diz que “se fazem necessárias mudanças para que a estratégia partidária se ajuste a esta nova realidade, a fim de vencer os desafios do período que atravessamos”. Infelizmente, a Carta promete mas não entrega a mercadoria.

Por um lado, a Carta exagera nos aspectos positivos da estratégia adotada desde 1995. Por outro lado, não consegue explicar o que seria uma nova estratégia. Vejamos a seguir os dois aspectos.

A Carta firma que a estratégia anterior/atual do PT “identificou uma cisão entre os grupos dominantes em relação ao modelo econômico preconizado pelo Consenso de Washington. Tal divisão semeou o terreno para alianças com setores mais vinculados à indústria nacional e ao mercado interno, cujos interesses eram representados, no plano institucional, por lideranças e grupos políticos navegando no centro do espectro partidário”. “Foi possível, então, estabelecer uma ampla frente contra o neoliberalismo, politicamente representado pela coalizão PSDB-DEM, acumulando forças para bater as forças do rentismo nas eleições presidenciais de 2002, quando as urnas sufragaram a dobradinha Lula-José Alencar”. “Esta aliança de da esquerda para o centro tornou viável, para as administrações comandadas pelo PT, a construção de maiorias parlamentares táticas, que garantiram a governabilidade para aprovação de políticas públicas e manutenção da estabilidade institucional. A fórmula prosperou, em boa medida, graças às condições materiais favoráveis dos primeiros dez anos. Os cenários externo e interno possibilitaram a aplicação de programas distributivos sem ferir interesses relevantes do bloco rentista, formado pelo capital financeiro, oligopólios industriais e o agronegócio”. “Na fase ascensional do modelo desenvolvimentista, estes setores, também favorecidos pelo deslanche da economia, foram relativamente neutralizados e evitaram protagonismo na disputa político-ideológica contra os governos petistas, função que acabou exercida pelos grupos de comunicação e os estamentos mais altos das camadas médias”.

Esta descrição feita pela Carta seria correta, se Palocci e Meirelles (entre outras expressões do social-liberalismo) não tivessem existido. Mas existiram. Omitir isto simplifica o raciocínio, mas falsifica a realidade.

Entretanto, desaparecer com o Palocci/Meirelles não diz respeito a história passada. Diz respeito à história presente, pois este método de raciocinar sobre o passado também é útil para a Carta unificar, no presente, em torno de um só texto, os que concordam e os que discordam da atual política de ajuste.

A Carta reconhece que o conjunto da estratégia adotada de 2003 até agora teve um “sucesso” que “foi acompanhado por erros importantes que provocaram efeitos colaterais maléficos para a esquerda e o campo popular”.

Acontece que não foram “erros”, “equívocos” nem “efeitos colaterais maléficos”. A atual estratégia não incluía, nem podia incluir, “como tarefas prioritárias, desde o princípio, a reforma do sistema político e a democratização dos meios de comunicação”. Pois ambas implicariam em abandonar a opção pela mudança apenas através de políticas públicas; ambas implicariam em adotar a opção pela mudança através de reformas estruturais.

Tampouco foi a correlação de forças que nos impediu. A correlação de forças pode nos impedir de fazer algo. Mas não é a correlação de forças que nos impediu de tentar. O que nos impediu de tentar foi uma concepção estratégica baseada na conciliação com o conjunto do grande capital, com o conjunto do oligopólio da mídia e com grande parte da direita.

A Carta faz uma autocrítica pela metade. E, por decorrência, oferece uma alternativa pela metade.

Não queremos, com esta crítica, minimizar o fato da Carta reconhecer que “o partido e o governo acabaram adaptados a um regime marcado pelo predomínio do poder econômico, pela limitação da participação popular e pelo monopólio da informação”. Achamos importante que a Carta reconheça que “esse sistema político-eleitoral contaminou práticas partidárias, deformou relações internas e trouxe de contrabando métodos e hábitos da política tradicional”.

Mas ao não entender que isto foi produto daquilo (da estratégia atual/anterior), a Carta vai propor soluções parciais, que não resolverão os problemas que estão diante de nós.

De que adiante, por exemplo, reconhecer que “o primado aliancista, da forma como muitas vezes foi conduzido, reforçou a tendência de converter o PT em braço parlamentar do governo”, mas não reconhecer que o ajuste que nosso governo implementa hoje tem como consequência enfraquecer profundamente o PT? E que, portanto, o PT precisa agir para que o governo mude de política, o que inclui derrotar a política de que Levy é ao mesmo tempo instrumento e símbolo.

A Carta reclama que a conversão do PT em braço parlamentar do governo bloqueia de saída “a luta por projetos e ideias na sociedade e no Estado”. Mas de que adianta dizer isto, quando ao mesmo tempo o coordenador da principal tendência signatária da Carta, em manifesto público ao 5º congresso do PT, apela para que os delegados e delegadas adotem uma postura chapa branca?

Como “investir na elevação da consciência e da cultura de classe das multidões beneficiadas pela ascensão social”, se próceres de nosso governo e expressões importantes da nossa bancada e do nosso partido adotam posturas públicas que confundem focinho de porco com tomada, confundem flexibilidade tática com genuflexão?

A Carta afirma que “o Partido dos Trabalhadores tem buscado corrigir estes erros nos últimos anos, como é possível confirmar pelas resoluções e documentos aprovados desde o III Congresso. Mas reconhecemos que as alterações na situação internacional e local nos obrigam a uma mudança de maior envergadura”.

A correção de erros, ou se faz na prática, ou é mera enganação. E o fato é que, desde o III Congresso, muitas das mudanças acenadas não foram materializadas. O que ficou claro em 2013, em 2014 e agora em 2015, sendo desnecessário listar exemplos.

Reiteramos: é importante que a Carta reconheça que vivemos uma situação de “radicalização da disputa de projetos”. Assim como é importante dizer que “setores dos partidos de centro se sentiram mais à vontade para recompor um bloco com as forças de direita”. Mas é revelador que a Carta não fale do PMDB, não explicite por exemplo que foi um erro conferir caráter estratégico à aliança com este partido.

A verdade é que, quando a Carta se aproxima de temas nos quais as promessas precisam se converter em atos, ela adota a postura típica dos analistas acacianos.

Por exemplo: não é preciso muita sagacidade para concluir que as coisas vão melhorar quando as coisas melhorarem. E é exatamente isto que a Carta nos oferece quando afirma que “vicissitudes do quadro político atual não serão superadas, em favor da classe trabalhadora e seus aliados, sem a emergência de um poderoso movimento de massas que – articulado à luta institucional, às ações efetivas e corretas de governo e à batalha cultural – seja capaz de impor uma situação de cerco ao Estado oligárquico”.

O problema de um Partido como o nosso é responder qual deve ser o nosso papel (enquanto partido, enquanto bancadas e governos, enquanto militantes nos movimentos sociais e no debate de ideias) para que ocorra este “poderoso movimento de massas”.

Acontece que responder concretamente a esta questão nos levaria a constatar que é muito difícil fazer isto, quando temos um governo cuja política econômica aponta noutro sentido, no sentido de dividir nosso campo e no sentido de estimular um movimento de massas contra nós.

Na mesma linha, é óbvio que somos a favor da “construção de uma frente democrática e popular”, é claro que não vamos economizar esforços “para ajudar a reunificar os movimentos, agrupamentos, coletivos e militantes que tornaram possível a reeleição da presidente Dilma Rousseff em outubro de 2014”. Mas como fazer isto quando – para ficar só neste exemplo– a presidenta Dilma é eleita desmascarando a submissão de Aécio e Marina ao rentismo, mas nomeia Levy para a Fazenda?

Como dissemos, por não fazer o diagnóstico de conjunto da estratégia atual/anterior, a Carta opta por silenciar sobre o presente e acaba propondo soluções parciais, incompletas.

Por exemplo: “a estratégia de frente é nosso caminho para firmar uma nova aliança social, que incorpore setores novos e tradicionais da classe trabalhadora, das camadas médias, da intelectualidade e do empresariado simpático ao nosso projeto nacional”.

Isto poderia ser dito e efetivamente foi dito ao longo dos anos 1990. Qual a diferença entre o antes e o agora? Qual a novidade no que está sendo proposto agora?

A Carta encerra com palavras também politicamente corretas. Diz que fará tudo “para que este programa possa ter a presidenta da República como sua principal porta-voz e liderança”. E não diz nada a respeito do que fazer frente ao fato da presidenta ter escolhido afastar-se progressivamente do Partido – é isto que está ocorrendo e é isto que deveria ser reconhecido de maneira serena e clara, inclusive para buscar reverter esta situação.

Aliás, nos impressiona a distância entre o que a Carta diz e o que seus signatários realmente pensam acerca deste segundo mandato da presidenta Dilma.

A Carta conclama por uma “renovação em suas estruturas, métodos de organização e direção, formas de financiamento, instrumentos de comunicação e relações com os movimentos sociais”. Belas palavras, mas como sabemos os signatários desta Carta são os mesmos que resistem a democratizar as eleições internas e a romper com o financiamento empresarial privado.

A Carta encerra dizendo que a “emancipação do povo brasileiro […] é a nossa tarefa, a nossa missão. É só querer e, amanhã, assim será!”

Infelizmente, não rima nem é solução. Não basta querer. Sem uma alteração profunda da estratégia e do padrão de funcionamento do Partido, nosso amanhã não será melhor do que ontem.

Nosso governo escolheu, sem debate com o Partido, uma política que se não for revertida, poderá destruir o que acumulamos ao longo dos últimos 35 anos. Mesmo que o Partido proponha e o governo aceite mudar de política, continuará sendo necessário um enorme trabalho para reverter a correlação de forças que quase nos fez perder as eleições presidenciais de 2014.

Acreditamos que é possível enfrentar esta situação, retomar a iniciativa, vencer em 2016 e 2018, seguir um caminho que torne possível fazer reformas de sentido democrático, popular e socialista. Mas para isto não basta sinalizar para a esquerda, como busca fazer a Carta. É preciso mudar globalmente a política do Partido, na linha que a CUT já vem fazendo. E é preciso mudar rápido, pois vivemos “tempos de guerra”.

*

Como dissemos no início deste texto, os signatários da Carta apresentam também algumas propostas de resolução. Uma sobre reforma política, com a qual estamos no fundamental de acordo. Outra sobre o “projeto nacional de desenvolvimento”, com a qual estamos parcialmente de acordo, cabendo fazer ajustes de redação. Uma terceira sobre “terceirização, fator previdenciário e direitos dos trabalhadores”, emenda com a qual estamos parcialmente de acordo, sendo necessário falar das MPs 664 e 665. Uma quarta proposta diz respeito a formação política, sobre a qual temos uma visão distinta, pois o que a resolução propõe é aquilo que já está sendo feito. Uma quinta proposta diz respeito à comunicação do PT, sobre a qual também temos uma visão distinta e diversas emendas. O mesmo dizemos acerca da proposta sobre “modo petista de governar”, da proposta sobre “tática eleitoral” e da proposta sobre a Comissão Nacional da Verdade.

Sobre a proposta que fala da “luta contra a corrupção”, proporemos outra resolução, baseada no texto “O PT e a luta contra a corrupção”, documento aprovado no congresso da tendência petista Articulação de Esquerda e disponível aqui.

Estamos de acordo, sem prejuízo de ajustes, com as propostas “contra a redução da maioridade penal”, “por uma nova política sobre as drogas” e “contra o extermínio da juventude negra”.

Discordamos da proposta de resolução sobre finanças, pois em nossa opinião o Partido deve decidir já, em seu Congresso, que não aceitará mais financiamento empresarial privado.

Discordamos da proposta sobre “eleições diretas para direções do PT – PED”. É um absurdo desvincular o direito de voto da obrigação de contribuir para com o Partido, especialmente neste momento em que buscamos o autofinanciamento da ação partidária. Por outro lado, insistir em confundir democracia partidária com eleições diretas conduz a não perceber que este método, ao invés de ampliar o controle da base sobre as direções, resulta no contrário: numa autonomia cada vez maior das direções. Os petistas merecem muito mais democracia do que apenas o direito de votar de quatro em quatro anos!

Finalmente, apresentaremos uma resolução específica sobre o ajuste fiscal e outra sobre a relação Partido-governo.

* Valter Pomar é professor e militante do PT.

Página 13